sábado, 11 de dezembro de 2010

CHAPLIN (Cont.) - Orlando F. Fassoni

Foi em 1914, com 25 anos de idade, que Chaplin estreou em Los Angeles, num pequeno filme intitulado Carlitos Repórter. Até chegar lá e iniciar sua caminhada rumo à legenda, comeu o pão que o diabo amassou. Nascido às 8 horas da noite de 16 de abril de 1889 em East Lane, Walworth, Londres, o menino Charles Spencer Chaplin tinha uma mãe, Hannah Hill, e o pai, "um homem calado, taciturno, parecido com Napoleão", viciados em álcool. Não conheceu o pai, viu-o apenas algumas ocasiões, nos bares. Era um ator que tinha abandonado a família. Chaplin viveu a infância miserável dos deserdados da sorte e, quando a mãe perdeu as condições de mantê-los - ele e o filho mais velho, Sidney -, os três são obrigados a viver à custa do asilo de pobres de Lambeth.
Mas aos 5 anos de idade ele já havia entrado num palco. Foi numa noite em que ela, representando, perdeu a voz. O público ria, zombava. E o pequeno Charles, ali escondido, assistia ao vexame com os olhos em lágrimas, sem compreender o que se passava. A platéia ameaçava arrebentar o teatro quando alguém o puxou pela mão e meteu-o no palco para substituir a mulher, retirada dali às pressas. Ajeitou-se e cantou Jack Jones quando, no meio cançonete, desabou uma chuva de moedas sobre ele. Dançou, sentiu-se à vontade, fez mímicas. "Essa noite - lembra em sua autobiografia - marcou a minha primeira aparição em cena e a última da mamãe."
Chaplin não descobrira, então, que nascia ali, também, a sua espontaneidade, depois levada aos extremos. A situação de extrema miséria faz dele um entregador em mercearia, depois recepcionista de consultório médico, garoto de recados, empregado de papelaria, soprador de vidros, tipógrafo, vendedor de trapos no mercado londrino etc. Já era um pobre e indefeso menino que passava o dia vagabundeando, catando migalhas, fugindo dos credores da mãe, hospitalizada. De quando em quando aparecia numa agência teatral de Blackmore e um dia deu sorte: queriam-no para representar Billie numa peça chamada Jim, O Romance de Um Cookney. Duas libras e dez xelins por semana. "Já não era mais um vagabundo dos bairros miseráveis: agora era um personagem de teatro e tinha vontade de chorar."
Aos 17 anos foi ator juvenil, mais tarde ganhou um papel em comédia pastelão da companhia de Fred Karno. Em 1909, aos 20 anos, viajou com o grupo a Paris. Voltou à Inglaterra, teve alguns êxitos e fracassos com Karno. E, um dia, encontrou a chave: ir morar e trabalhar nos Estados Unidos. Era tudo ou nada, agarrar ou largar, sair-se bem como cômico ou lavar pratos a vida toda. Aí tudo começou.
Na estréia do espetáculo de Fred Karno nos EUA, os críticos notaram "ao menos um inglês engraçado". Ele, Chaplin. Já guardava dinheiro, o que fez durante toda a vida. Retornou a Londres e, de volta à América, foi contratado pela Keystone, por Mack Sennett, a 150 dólares semanais, contrato de um ano e direito a 25 dólares semanais de aumento depois dos primeiros três meses.
E então, no pequeno filme intitulado Carlitos Repórter, ele aparecia pela primeira vez de fraque, chapéu alto, bigode de pontas viradas para cima, a verdadeira antítese da humildade, um tipo meio vilanesco, mau-caráter metido a besta a quem queriam dar o nome de Edgar English. Não gostava dos trajes que usava no filme. E num estalo, a caminho do guarda-roupa, caracterizou-se, embora de forma embrionária, com as calças largas, estilo balão, os sapatos enormes, o casaquinho justo no corpo, o chapéu-coco e a bengalinha, roupas que, misturadas a outro elemento que adicionou para parecer mais idoso do que era - o pequeno bigode -, já davam forma ao maior palhaço de todos os tempos: Carlitos.
E sua psicologia? O tipo, conta Chaplin, tinha muitas facetas: vagabundo, cavalheiro, poeta, sonhador, solitário, romântico, aventureiro, capaz de passar por cientista, músico, nobre, esportista e milionário com a mesma facilidade com que podia catar pontas de cigarros, roubar pirulitos de criancinhas ou dar pontapés nos traseiros das damas, no auge da raiva. "Meu tipo era diferente e não se aproximava de qualquer outro que os norte-americanos conheciam."
Em 1914 Chaplin faz vários filmes para Sennett. Ia desenvolvendo o tipo nas pequenas comédias dirigidas por Henry Lehrman, ora pelo próprio Sennett ou pela atriz preferida da companhia, Mabel Normand. Fez Corridas de Automóveis para Meninos, Carlitos Garção, Carlitos e Os Guarda-Chuvas, Dia de Estréia, Carlitos Dançarino, Carlitos Entre O Bar e O Amor, Carlitos e A Patroa, Carlitos Banca O Tirano e Vinte Minutos de Amor.
A variação do seu tipo era constante, mas o próprio Chaplin afirma que Carlitos não nasceu num estalo. Foi o produto de um processo, um tipo que imitava os componentes de um outro grande humorista da época, Max Linder.
Georges Sadoul, o historiador, afirma que, em sua origem, Carlitos é "um Max na pindaíba que tenta comicamente conservar a dignidade. Mas Chaplin era o vagabundo com alma de aristocrata; Linder, o aristocrata com alma de vagabundo". As diferenças entre um e outro são que Linder, janota, sedutor, andar de pato e indefectível cartola, simbolizava a belle époque, que morria aos poucos; e Charlot nascia exatamente no período da I Guerra, quando o sorriso e a galanteria eram violentamente rompidos pela desilusão, a morte, o massacre e a miséria.
Então Max Linder, a representação humorística do prazer, conforto, fineza e cavalheirismo, dava seu lugar a um sucessor que se faria mais notável como figura humana: o vagabundo Carlitos, nascido dos destroços da guerra. (Continua)




Vídeo: Carlitos Repórter (1914)

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