quinta-feira, 25 de novembro de 2010

CHAPLIN - Orlando F. Fassoni

Charles Spencer Chaplin morreu dormindo aos oitenta e oito anos de idade, sessenta e três deles dedicados a saudar, com o riso, as gerações de todo o mundo que não esquecerão Carlitos. Um símbolo inesquecível do homem espezinhado pelo destino, do fraco, do desajeitado e do desprevenido, do deserdado e do homem puro tentando sobreviver num mundo hostil e doente de sentimentos. Enquanto viveu, soube ser grande, levou aos confins a sua ternura pelos oprimidos, pequeno e ridículo palhaço de olhos melancólicos, andar desengonçado, irreverente vagabundo cheio de ilusões, miserável, impotente, simplório e primitivo homenzinho mergulhado no cotidiano. Niilistas, inquietos, cristãos, rebeldes e anarquistas o chamaram para seu lado, porque viram nele a defesa mais pura dos inocentes contra os abusos dos intolerantes e os preconceitos dos poderosos. Deus queria um presente no dia do Natal. E levou Chaplin pra morar com Ele.
A morte de Chaplin não significou a morte da comédia cinematográfica. A comédia, no seu melhor estilo, já estava agonizante desde que Carlitos saiu de cena, em 1940, depois de O Grande Ditador. Não morria o humor, morria porém toda a sua essência, o Carlitos, notável vagabundo desajeitado e triste que durante anos seguidos representou, com seus admiráveis gestos, sua mímica e seu humanismo, a alma do riso e da alegria. O homenzinho pequeno e fraco que percorreu as estradas de pó transmitindo esperanças, que defendeu crianças e cães, que transformou seus pontapés numa espécie de justiça não-oficial dos oprimidos contra os opressores, herói e anti-herói de um mundo em danação que precisava de um símbolo como ele, botinas velhas, bengala barata, bigodinho curto metido num rosto que podia, num segundo, metamorfosear toda a sua angústia num espantoso sorriso de satisfação para oferecer ao menos um leve sopro de otimismo e confortar os que choravam.
Depois de ver algumas vezes seguidas a sátira em que Chaplin, através de seu clown, ridicularizava as pretensões dominadoras de Hitler em O Grande Ditador, um crítico norte-americano profetizava a morte da comédia dizendo que quando Charles Spencer Chaplin morresse o cinema dificilmente encontraria alguém para substituí-lo. Acertou. A ausência de Chaplin deixa o humor cinematográfico praticamente órfão de pai. E quem tem acompanhado o desenvolvimento da comédia sabe que é impossível ao cinema encontrar quem reprise o homenzinho que nos seus 25 anos de vida simbolizou a máxima expressão da ternura e do grotesco, que foi uma espécie de consciência da primeira metade do nosso século, figura humana e poética que jamais deixou de acompanhar todos os grandes movimentos e transformações políticas e sociais de seu tempo, aderindo a elas como seu crítico mais implacável. Com Carlitos morreu, também, uma parte de todos nós.
Chaplin fez seu último filme em 1967: A Condessa de Hong Kong. Já não era nem o mesmo diretor e menos ainda o acrobático Carlitos de calças surradas, gestos rápidos e passos largos fugindo de policiais, driblando credores, protegendo cegos e mocinhas. Vivia na sua paz doméstica com Oona, a filha de Eugene O'Neil que fez questão de cumprir todos os seus pedidos. O principal deles: um enterro simples no cemitério de Vevey, perto de onde morava desde o começo dos anos 50, quando decidiu ir viver em paz na Suiça, sem possibilidades de voltar aos Estados Unidos porque fora acusado de simpatizante com o comunismo, ou à Inglaterra, onde tinha problemas com o fisco.
Aos 88 anos de idade, não tinha mais o que fazer. Recebia visitas de quando em quando, ia assistir aos espetáculos do circo montado na pequena cidade. Em 1972 os norte-americanos, envergonhados, reabilitaram-no. Ele foi convidado a voltar aos EUA e, embora as más recordações sejam impagáveis, concordou em receber a homenagem da Academia de Hollywood: o Oscar que o cinema negara a quem dera, talvez, a maior contribuição para o desenvolvimento da arte cinematográfica. Confissão pública de um imperdoável erro atribuído aos ortodoxos e aos radicais, o fato mereceu do New York Times um comentário sentencioso:

"Se uma nação pudesse enrubescer coletivamente, os Estados Unidos tinham uma boa razão para isso quando seu mundo oficial decidiu, duas décadas atrás, Que Charles Chaplin não podia retornar a este país antes de demonstrar seu valor moral. Felizmente os guardiães das virtudes desta terra parecem ter amadurecido suficientemente para não temer pela segurança política e moral da América quando, hoje, o criador do querido, patético e engraçado vagabundo retornar do seu exílio europeu."

Era 10 de abril de 1972 e o editorial do jornal americano emendava:

"As honras que esperam Carlitos em Hollywood pouco acrescentarão ao já firmemente estabelecido aplauso popular e julgamento crítico. Mas elas significam uma saudação, ainda que demorada, à vitória da arte e do humor sobre a rigidez burocrática."

Aos 88 anos de idade, com as forças já minadas pelo tempo, Chaplin ainda tinha planos. Pensava em três projetos, um deles The Freak, com suas filhas Josephine e Victoria nos papéis principais de uma história poética, ao seu estilo. Tinha também em mente um filme sobre um condenado à morte que descobre a beleza da vida ao escapar da prisão, bem como um terceiro, sátira social sobre as reações de uma comunidade ante um fenômeno sobrenatural. Não teve tempo de iniciar nenhum. Insistia sem necessidade. Se tivesse parado seu trabalho na metade da carreira, aí por volta dos anos 20, já teria feito o suficiente para entrar na galeria dos gênios do nosso século, tal a dimensão, a riqueza e a profundidade da obra que desenvolveu e aos elementos com que construiu Carlitos, sem dúvida o mais universal de todos quantos foram os personagens já criados na história do cinema.

(Continua)

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